É ela

Conto vencedor do Prêmio Arte Em Respiro do Itaú Cultural


Tema: o futuro do Brasil pós-pandemia

Antes, eu ia só, de pedido em pedido. Pizzas, supermercados, farmácias… Hoje a Ivete vai na garupa da moto. Enfermeira do SUS, 37 anos. No baú, seringas, agulhas e algodão.

Dor nos punhos, sol de 38 °C. Isso não mudou. Mas as ruas, sim. Quando as motos chegam, os rostos vão para os portões, olhares sobressaltados entre a ansiedade do ontem e a antecipação cautelosa do hoje.

– É ela, moço? Chegou? – pergunta uma senhora, um bebê no colo.

– É ela.

A Ivete desce da moto. A rua aplaude. O instrumento é o mesmo dos dias sombrios, mas a canção agora é outra.

Quando terminamos aquela rua, seguimos para a próxima. O dia todo, a semana toda. Não só a gente, mas uma teia de entregadores e enfermeiras deslacrando sorrisos, enviando às ruas braços fortes com curativos redondinhos.